Aula de carnaval e outros poemas

Ática | 2006

O carnaval é uma das festas mais antigas da humanidade. Suas prováveis origens podem ser associadas a ritos pagãos arcaicos que comemoravam o tempo cíclico (a crença de que tudo nasce, cresce, amadurece, envelhece, morre e renasce) e a fecundidade sagrada da terra, da vida e do mundo. De certo modo, o carnaval é até hoje um rito que festeja a existência e a esperança. Durante essas festas e folias, acredita-se que costumava imperar um grande espírito de coletividade e igualdade entre as pessoas, a comida era farta, ricos e pobres se igualavam, escravos eram soltos, leis, símbolos e valores sociais eram relativizados e dessacralizados. Muitos estudiosos da cultura popular propõem, em suma, a existência uma “visão de mundo carnavalesca”. Ela seria marcada pelo riso festivo, grotesco, fecundo e sempre renovador.

Trazido pelos portugueses – o entrudo, festa popular colonial, era um folguedo
carnavalesco – o carnaval ganhou, no Brasil, nova face, misturando-se, por exemplo, às festas e procissões do Dia de Reis (dedicadas aos três Reis Magos e sua visita ao Deus Menino) e aos ritos e festejos das culturas africanas. Com tantas fusões culturais, pode-se dizer que existem carnavais exclusivamente brasileiros. Falo “carnavais” porque o carnaval carioca é diferente do pernambucano que é diferente do maranhense ou do baiano; o carnaval de rua é diferente dos desfiles das escolas de samba e assim por diante. O que caracteriza as manifestações da cultura popular é sempre e sempre sua extraordinária diversidade.

Pois bem. Sonhei que um dia nossas escolas tinham incluído o carnaval em seus
currículos. Alunos e professores reunidos, trocaram muitas idéias e escolheram o tema do ano. Depois, foi formado um grupo para pesquisar e escrever o enredo. Em seguida, o pessoal que gostava de música e poesia – a ala de compositores da escola – criou com seus violões e cavaquinhos, muitos sambas e marchinhas abordando o enredo escolhido. Nova assembléia geral imaginária escolheu as músicas preferidas (foram escolhidas várias).

Então, começou a trabalheira de bolar um cordão carnavalesco. Não sonhei carros alegóricos nem efeitos caros e complicados. Não se tratava de um espetáculo televisivo nem de comércio e publicidade mas sim de uma festa popular. Um grupo de alunos – a ala de harmonia da escola – partiu para bolar e desenhar as fantasias além de um ou outro boneco ou imagem alegórica (idéias e temas transformados em imagens, figuras e disfarces). Cada participante, claro, fez sua própria fantasia. E a turma ensaiou a cantoria, as danças e o desfile com um cuidado especial na parte rítmica – a ala da bateria da escola – batucando surdos, taróis, tamborins, timbas, ganzás, caxixis, cuícas e pandeiros.

Na semana anterior ao carnaval, a escola saiu, enfim, pelas ruas do bairro, apresentando sua festa, seu trabalho e sua alegria. No sonho, o cordão de foliões era formado por alunos de todas as classes, professores de todas as matérias, diretor, coordenadores e demais pessoas que trabalham na escola, além de muitos pais. Até alguns vizinhos resolveram entrar na dança. Foi um momento de comemorar o carnaval, o trabalho criado coletivamente pela escola durante o ano inteiro, a vida, a arte popular, a nossa cultura e a esperança de construir um mundo melhor.