Contos e lendas de um vale encantado

Ática | 2010

Uma viagem pela cultura popular do vale do Paraíba

O Vale do Paraíba fica entre São Paulo e Rio de Janeiro, vizinho de Minas Gerais. A região é cortada pelo tortuoso rio Paraíba do Sul, que passa entre a serra da Mantiqueira e a serra do Quebra-Cangalha. O rio nasce em São Paulo e vai desembocar nos mares do Rio de Janeiro.

Entre as cidades da região estão Guararema, Jacareí, São José dos Campos, Taubaté, Caçapava, Pindamonhangaba, São Luís do Paraitinga, Redenção da Serra, Aparecida, Guaratinguetá, Cunha, Piquete, Lorena, Cruzeiro, Queluz, Areias, Silveiras, São José do Barreiro, Arapeí, Bananal, Parati, Vassouras, Valença… O mapa ao lado, mostra tudo isso.

A região cheia de serras e paisagens bonitas tem muitas histórias para contar. Isso porque é muito antiga. São trezentos e tantos anos de gente vivendo no vale, trabalhando, construindo vilas e cidades, plantando, comerciando, sonhando, rezando, lutando para viver, contando histórias, inventando tradições, lendas e crendices, ou seja, explicações para as coisas do mundo.

Antigamente, no tempo em que os portugueses mandavam no Brasil, o vale do Paraíba serviu de passagem para os famosos bandeirantes, que partiam de São Paulo em busca de tesouros e escravos índios. Teve também muitas plantações de cana de açúcar.

Depois, descobriram muito ouro em Minas Gerais. Esse ouro foi retirado das minas por escravos e levado até a cidade do Rio de Janeiro no lombo de burros para, em seguida, ser enviado a Portugal. Para chegar nos portos do Rio ou de Paraty, era preciso passar pelo vale do Paraíba. Muitas cidades do vale nasceram e cresceram por causa do transporte do ouro mineiro.

Mais tarde, vieram as fazendas de café. Surgiram então as casas grandes e senzalas valeparaibanas, com suas fazendas, escravos, plantações, festas e tradições. Durante séculos e séculos, a região foi cruzada por tropeiros que transportavam açúcar, café e todo tipo de mercadoria, atravessando as serras da Mantiqueira e do Quebra-cangalha. Com seus burros e bestas, esses viajantes naturalmente deixaram histórias, lendas, hábitos, receitas culinárias, crenças, jogos e ditados.

É preciso dizer que o vale do Paraíba recebeu gente de muitos lugares. Nele vieram morar e trabalhar, em diferentes épocas, portugueses, africanos, italianos, alemães, espanhóis, suíços, húngaros, austríacos, entre outras nacionalidades.

Quando falamos “portugueses” ou “africanos” é bom lembrar que estes vieram de diferentes regiões de Portugal e de vários paises da África. Isso quer dizer que cada uma dessas pessoas veio para o vale trazendo na bagagem suas histórias, crenças e tradições.

No vale também viviam índios, como os Puris que naturalmente enriqueceram a região com sua cultura, histórias e hábitos. O próprio rio Paraíba do Sul, formado pela junção dos rios Paraitinga e Paraibuna, com muitos afluentes, é cheio de narrativas, casos e lendas de pescadores. Segundo uma delas, a imagem de Nossa Senhora teria aparecido e sido pescada nas águas do Paraíba em meados do século XVIII. Daí o nome “Aparecida”, dado à cidade.

Com seus lugares sagrados, oratórios, milagres, santos padroeiros, devotos, festas, folias, procissões, romarias e ex-votos, a região, profundamente marcada pela religiosidade popular, é repleta diabos, almas penadas e assombrações, personagens de vários contos e lendas.

O livro Contos, lendas e crendices do Vale Encantado pretende trazer ao leitor um pouco deste imenso e rico universo cultural por meio das formas literárias de tradição oral que circulam na região: contos, lendas, crendices, quadras, receitas, adivinhas e ditados.

Isso não quer dizer que o material resgatado seja exclusivo da região mas sim que é conhecido e faz parte da cultura de pessoas que habitam o vale do Paraíba.

Todas as ilustrações do livro foram criadas a partir de imagens, paisagens e cores do vale do Paraíba, assim como de sua iconografia popular.

Para escrever o livro, recorri aos trabalhos de um sem número de pesquisadores da cultura da região. Faço questão de citar três deles: Tom Maia, Tereza Maia e Ruth Guimarães. Seus extraordinários estudos são fundamentais para o conhecimento e a compreensão da cultura popular do vale do Paraíba.

Para terminar, esclareço que os textos do livro não buscam apenas preservar algo do passado. Muitas dessas histórias, lendas e crendices continuam vivas e fazem parte do imaginário dos habitantes do vale do Paraíba até hoje e, este é o ponto, representam uma forma de ver a vida e o mundo. Se tudo isso está se modificando, está em vias de desaparecimento ou um dia vai, ou não, desaparecer, é assunto para acadêmicos, teóricos e futurologistas. Certamente, tudo pode desaparecer, inclusive os que prevêem desaparecimentos. Para onde vamos é uma pergunta que fica para outra ocasião. Para qualquer lugar que seja, levaremos conosco as marcas e influências do nosso patrimônio cultural.