O motoqueiro que virou bicho

Moderna | 2012 | Ilustrações: Capa: Kiko Farkas

Texto revisto e reformulado.

Sei que vai ter gente me chamando de louco e mentiroso. Entretanto, posso jurar, o que vou contar aconteceu de verdade, não é ficção, não é nenhuma história  inventada por mim. Aconteceu no duro, na minha carne, na minha cabeça, nas minhas entranhas. Queria ver você, leitor, na minha pele. Queria ver você acorrentado, tomando porrada, sentindo medo. Medo, por exemplo, de ser castrado. Medo, por exemplo, de simplesmente  sumir, perder a própria identidade, virar uma espécie de fantasma que ninguém enxerga.

 

A primeira versão de o Motoqueiro que virou bicho tinha como título Lúcio vira bicho e foi publicada em 1998. Quase dez anos depois, acho que lá por 2007, resolvi reler o livro e escorreguei na leitura de algumas partes. Não tive dúvida. Era preciso mexer no texto para que ele pudesse fluir melhor. Na época, não tinha tempo nem cabeça para fazer isso. Só pude retomar sua leitura, agora com lápis na mão, em setembro de 2011. É preciso dizer que a estrutura do texto corresponde a uma narrativa linear e acumulativa, a viagem e as experiências vividas por um jovem chamado Lúcio, contada por ele mesmo, entrecortada por várias outras narrativas menores, encaixadas ao longo da trama e que, de alguma forma, dialogam com o enredo principal. Na releitura, cortei o relato sobre tia Vanda, feito pelo caminhoneiro na conversa do restaurante em Caçapava. Percebi que atrapalhava o fluxo geral da narrativa e acrescentava muito pouco ao livro como um todo. Acrescentei em seu lugar a lenda do corpo-seco, recorrente no vale do Paraíba. A história contada pela velha de olhos azuis, durante o sequestro da noiva de Taubaté, passou a ser a da princesa que se perdeu na floresta que, na versão anterior, vinha na voz de dona Cecília. O conto do príncipe Luís passou a ser contado por dona Cecília, certa noite, no sítio Santa Rita. Eliminei a história sobre o livro do destino contada pela professora aposentada da USP, também por acrescentar muito pouco. Fora isso, mudei o título do livro e mexi em alguns poucos trechos, buscando sempre dar mais ênfase a certas cenas ou esclarecer melhor os pensamentos e sentimentos de Lúcio durante sua estranha e inesperada trajetória.  Ao publicar o livro, em 1998, acreditava piamente que tinha escrito um bom texto. Anos depois, quando reli, encontrei problemas em sua construção. Escrever, pelo menos para mim, tem tudo a ver com a vida mesmo: é um aprendizado o tempo todo. Acho estimulante que seja assim.