Pobre corinthiano careca

Ática | 1998

Cap. 13

José Pedro saltou da cama feito um guerreiro. Naquele domingo, estava pronto para o que desse e viesse. O jogo Corinthians e Boca Juniors ia ser às quatro da tarde.

De manhã, jogou bola num terreno baldio perto da rua Rocha, mas só para matar o tempo. Sua cabeça não conseguia imaginar outra coisa que não fosse o jogo.

Depois do banho, almoçou e, vestido com o uniforme completo do Corinthians, foi para a sala e ficou esperando. Bem que tentou descansar um pouco no sofá, mas não conseguiu.

Enquanto a mãe costurava, José Pedro coçava o umbigo preocupado. Tinha escutado notícias alarmantes no rádio. Que o Corinthians ia jogar desfalcado de vários jogadores importantes. Que Wilson Mano, o jogador que sustentava a defesa inteira, estava contundido, com uma lesão no calcanhar e jogaria no sacrifício. E o pior dos piores: Marcelinho Carioca não ia jogar por causa de uma distensão na virilha sofrida no último treino. Nem tinha embarcado para a Argentina com o resto da delegação.

Enquanto isso, infelizmente, o Boca Juniors ia jogar com o time completo e ainda teria as estréias confirmadas de Maradona e Caniggia.

Não vai ser mole, pensava José Pedro, verificando a careca com a unha.

O papagaio do vizinho perguntou se o doutor queria café e soltou uma gargalhada espalhafatosa. Em seguida, latiu e começou a cantar.

A máquina de costura continuava com seu zumbido, anda pára, pára anda, como um incansável trenzinho elétrico.

José Pedro pensou em Camila.

Um dia ele aprenderia a escrever direito, só para fazer um verso bem bonito para ela. Imaginou a cena. Camila, distraída, andando na rua Augusta. Ele chegando perto e dizendo: “Fiz uma coisa pra você”. Puxava do bolso um papel e entregava. Parecia um filme de cinema mudo. Ela botava as duas mãos no peito e dizia: “Pra mim?” Abria o papel, lia e sorria encantada.

E então os dois, na imaginação do menino, iam embora andando de mãos dadas pela calçada.

É pau, é pedra, é o fim do caminho…

O difícil era fazer verso para uma pessoa chamada Camila. José Pedro futucou a orelha preocupado. Camila rimava com o quê? O menino começou a pensar em palavras terminadas em ila. Lembrou só de uma: gorila. Os olhos de José Pedro ficaram maiores. Era impossível fazer um verso de amor com um gorila no meio. Tanta menina bonita por aí e ele tinha que gostar logo da Camila, com aquele nome complicado de rimar!

Um frio cruzou a espinha de José Pedro. O tempo tinha voado. Estava na hora do jogo. O menino ligou a televisão.

— Chega mãe! — gritou, tentando ajustar a imagem colocando uma palha de aço na antena. — Você prometeu! Com a máquina de costura ligada não vai dar para assistir o jogo!

Dona Sueli consultou o relógio. Bocejou. Estava mesmo cansada. Foi para a cozinha preparar pipoca e limonada para o filho.

Os times entram em campo. Foguetório. Escalações. Entrevistas. Fotografias. Ouvem-se os hinos nacionais dos dois times. A câmera mostra jogador por jogador. Diego Maradona está risonho e magro. Aparenta ótima forma física. José Pedro franze o nariz. Maradona e Caniggia cantam o hino argentino emocionados. José Pedro faz o sinal da cruz. É dada a partida.

O Corinthians, infelizmente, parece assustado dentro do campo. Dois minutos de jogo. Falta perto da área a favor do Boca. Maradona ajeita. Toma distância. Finge que vai cruzar e manda um petardo. Ronaldo, o goleiro corintiano, salta mas não acha nada. Bola na trave. A torcida argentina vibra.

José Pedro apanhou um monte de pipocas e enfiou de qualquer jeito na boca.

O jogo continua. O Corinthians está irreconhecível. Não consegue armar as jogadas. Ninguém acerta um passe. Os minutos giram devagar. Parecem grudados no relógio. Viola faz outra falta, reclama e é expulso. Na seqüência, Maradona passa por dois, vai até a linha de fundo e cruza para Caniggia fazer de cabeça: 1 X 0 para o Boca Juniors.

Dona Sueli suspirou. Estava com sono. Disse que ia para o quarto descansar.

O Corinthians luta mas, infelizmente, nada dá certo. Passes errados, chutes tortos e até reversões na hora de cobrar a lateral. Uma desgraça. “Assim não vai dar!”, pensou José Pedro com os olhos grudados no aparelho. Fim do primeiro tempo. José Pedro foi ao banheiro, com a porta aberta. Enquanto observava, de cima, seus dois pés afastados sobre o ladrilho, a privada no meio e aquele jato caindo espalhafatoso, perguntou-se por que às vezes o xixi vinha com espuma e outras vezes, sem. Na sala, a voz do locutor anunciava que, para o segundo tempo, entrava um tal de Chinfrim no comando do ataque corinthiano.

“Chinfrim?”, quis saber o menino apertando a descarga.

José Pedro nunca tinha ouvido falar nesse jogador. O locutor também não. De acordo com o repórter de campo, Chinfrim, um moleque de dezesseis anos, um simples juvenil, reserva do reserva do reserva, tinha acabado de chegar de Lorena para treinar no Corinthians e, na falta de outro, ia entrar na fogueira. Era o único atacante disponível no banco de reservas e, como o ataque não estava funcionando, o técnico resolveu arriscar. Perdido por um, perdido por dez, afirmou o técnico durante a entrevista.

“Chinfrim?”, pensou José Pedro esfregando a careca com as dez unhas.

Começa o segundo tempo. O sufoco continua. Maradona mata a bola na testa e sai pelo campo com ela equilibrada na cabeça. Chinfrim, um mulatinho franzino, menino ainda, tenta tirar a bola do craque argentino e toma um chapéu inacreditável. “Olé!”, grita a torcida.

José Pedro engole um punhado de pipocas sem mastigar.

O Corinthians simplesmente não consegue tocar na bola. O Boca Juniors dá um show. Maradona, então! Dribla, dá carrinho, dá lençol, toca por baixo das pernas, ajeita de calcanhar, passa de letra, chuta de trivela, dá meia lua, um arraso. A única coisa que o Boca não consegue fazer, graças a Deus, é outro gol. A bola bate na trave, toca no joelho de Ronaldo, na canela do zagueiro e não entra. Um sem-pulo de Caniggia chega a bater na nuca do arqueiro corinthiano antes de espirrar pela linha de fundo. Do lado do Corinthians, ninguém se entende. O estreante Chinfrim, coitado, parece um vira-lata fugindo dos automóveis no meio da avenida 23 de Maio na hora do rush.

O comentarista lamenta o erro do técnico corinthiano. Se sem Chinfrim já estava difícil…

Enquanto José Pedro roia as unhas das duas mãos ao mesmo tempo, a câmera dá um close. Caniggia aparece conversando com Maradona. Os dois riem. A televisão mostra tudo. É lateral do Boca. Maradona manda a bola para Caniggia que devolve para Maradona. Os dois argentinos começam uma tabelinha, só que ao contrário. Em vez de buscarem o gol corinthiano, correm na direção contrária, rumo ao gol do próprio Boca Juniors! A torcida aplaude e ri. Até os jogadores do Boca parecem confusos com a manobra. Os corinthianos não sabem se param, se fogem ou se choram. O juiz põe a mão na cintura e olha para o bandeirinha. É uma tremenda humilhação. José Pedro ficou em pé esmigalhando as pipocas na mão. Os dois craques argentinos, tabelando e rindo, entram alegres dentro de sua propria área. Neste momento, explode o inesperado Chinfrim, rouba a bola de Maradona e, rápido, toca com classe para o fundo da rede.

— Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooool!

José Pedro saltou pelo apartamento feito um macaco elétrico. Deu cambalhotas, plantou bananeira, derrubou o abajur e, de joelhos, fez o sinal da cruz três vezes e ainda beijou o carpete.

Lá fora, a cidade inteira explodiu entre fogos, buzinadas e gritos de gol. A torcida do timão é mesmo imensa. Até o papagaio do vizinho comemorou.

O jogo muda de figura. O Corinthians, claro, tranca-se na defesa e o Boca Juniors parte com tudo para cima, no desespero. Maradona agora xinga e reclama. Tarde demais. O juiz apita o fim do jogo. Empate sofrido de 1 X 1.